A contribuição do esporte na sociedade
- ANDRE TIXA ORSINE
- 6 de out. de 2020
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O esporte possui um grande potencial de socializar indivĆduos das mais diferentes classes, religiƵes, gĆŖneros, entre tantas outras diferenƧas presentes na nossa sociedade. AtravĆ©s de uma partida de futebol na rua, de um jogo de vĆ“lei na escola, um jogo de basquete na praƧa, pessoas se relacionam, fortalecem amizades, criam vĆnculos mesmo sem nunca terem se visto. A importĆ¢ncia da prĆ”tica esportiva em nossa sociedade vai alĆ©m dos benefĆcios na saĆŗde fĆsica do homem. āĆ possĆvel perceber-se o desenvolvimento das relaƧƵes socioafetivas, a comunicabilidade, a sociabilidade, ajustando socialmente esse homem ao meio que viveā (BURITI, 2001, p.49). NĆ£o importa se for uma competição, uma brincadeira ou parte da aula de Educação FĆsica, a socialização com os demais estĆ” intimamente ligada ao jogo. Mesmo sendo um esporte individual, o praticante se relacionarĆ”, competirĆ” com outros participantes, dividirĆ” tristezas e alegrias.
A sociabilidade, ou seja, a troca de vivĆŖncias, enriquece nossa vida, nos faz enxergar para alĆ©m de nós mesmos. Ajudar um companheiro, desafiarmos nossos limites, superar obstĆ”culos, sĆ£o alguns dos acontecimentos vivenciados durante a prĆ”tica esportiva. Mas, infelizmente, em muitos centros urbanos estas vivĆŖncias estĆ£o cada vez mais raras, por diversos fatores: violĆŖncia, falta de espaƧos adequados, trabalho infantil ou na adolescĆŖncia, como tambĆ©m, a presenƧa do mundo virtual na sociedade de hoje, que afasta as crianƧas de atividades esportivas para deixĆ”-las horas em frente ao computador em jogos, redes sociais e sites de relacionamento. āNos tempos de crises culturais a imagem do homem Ć© a primeira a ficar abalada. O homem sente-se perdido e em perigoā (SANTIN, 1993, p. 20).
Mas esta realidade nĆ£o pertence somente Ć s crianƧas e aos adolescentes. Os adultos tambĆ©m, na sua grande maioria, leva uma vida sedentĆ”ria, sem tempo para o esporte. Divide-se o tempo com a famĆlia, o trabalho, tarefas domĆ©sticas, enfim, uma infinidade de obstĆ”culos para a inserção do esporte na vida das pessoas. AtĆ© mesmo as amizades e as famĆlias sĆ£o prejudicadas neste estilo de vida. As pessoas possuem pouco tempo para conversar, para brincar, se conhecerem melhor, se divertirem juntas. Como refere Santin (1993) nesse contexto de conflitos, de correrias, de falta de tempo e de perplexidades diante de si mesmo, o homem inicia uma reflexĆ£o sobre os valores na sua vida. As pessoas passaram a conviver mais com seus colegas de trabalho do que com sua própria famĆlia. Ć normal encontrarmos famĆlias em que a crianƧa passa o dia na escola ou na creche, os pais trabalham o dia inteiro, muitas vezes, atĆ© a noite, almoƧam e jantam fora, fazendo de sua casa uma pousada, onde a visitam somente para dormir, e no outro dia, comeƧam a rotina novamente. Para se viver nesta desgastante sociedade moderna, Buriti (2001) ressalta a importĆ¢ncia da atividade fĆsica e do lazer para aliviar as tensƵes do cotidiano, pois promovem diversos benefĆcios, favorecendo tanto a saĆŗde fĆsica, como mental.
E todas estas atividades e compromissos presentes no dia a dia do ser humano influenciam extremamente sua vida, tendo como consequĆŖncia o trabalho e seus colegas como, em muitas situaƧƵes, sua primeira casa e famĆlia. Bauman (2001) relata que os compromissos, as tarefas e o trabalho de hoje, sĆ£o obstĆ”culos para as oportunidades de amanhĆ£, o agora Ć© a palavra chave, o imediatismo dita a velocidade do mundo. NĆ£o se dĆ” mais o tempo necessĆ”rio para os resultados aparecerem, eles devem ser imediatos, raramente existe a fase do amadurecimento. No esporte esta realidade tambĆ©m estĆ” presente, como na profissĆ£o de treinador de alguma equipe, nos atletas de rendimento, nas categorias de base de clubes, entre tantos outros exemplos.
O esporte em nossa sociedade se manifesta de diferentes formas e em diferentes espaƧos. Para compreendermos melhor o fenĆ“meno esportivo e de que forma ele Ć© praticado nos dias de hoje, Tubino (1996) classificou-o nas seguintes dimensƵes: esporte-educação, esporte-lazer e esporte de rendimento. AtravĆ©s das dimensƵes acima citadas, o esporte Ć© capaz de produzir a socialização de seus participantes que aprenderĆ£o, e consequentemente, reproduzirĆ£o valores e desvalores na sua prĆ”tica. O esporte-lazer, como coloca Tubino (1996) Ć© diferente do esporte educacional ou de rendimento. Ele Ć© autĆ“nomo, livre, sem a obrigatoriedade da participação do indivĆduo ou do dever de cumprir metas e tĆtulos. Sua participação nĆ£o serĆ” avaliada com notas, nĆŗmeros, recordes, classificação ou risco de eliminação ou nenhuma outra forma de pressĆ£o ao participante. O esporte acontece de forma despretensiosa, com o Ćŗnico intuito de lazer, de prazer pela atividade fĆsica, por objetivos próprios, e nĆ£o postos por outros, como o professor, o treinador ou a torcida. O esportista por lazer Ć© o seu próprio treinador, o seu próprio professor e torcida. Ele dita as regras de qual esporte realizarĆ” hoje, de como serĆ” sua performance, sendo ele tambĆ©m o criador de suas metas e objetivos.
No esporte educacional, a ação deve proporcionar aos seus participantes, bem-estar e interesse pela atividade. Somente a obrigatoriedade de participar da aula ou do treino, nĆ£o trarĆ” efeito educativo para seu praticante. Desde as aulas na escola, nos projetos sociais, o esporte deve proporcionar a construção de valores, do carĆ”ter dos alunos, de respeito Ć s individualidades dos demais participantes. Se o professor nĆ£o percebe esta importĆ¢ncia, pode ele ser responsĆ”vel por tornar a Educação FĆsica um verdadeiro trauma para alunos que tenham algum problema de convĆvio social, ou atĆ© mesmo, criar algum empecilho. Direção, equipe pedagógica e professores tĆŖm nas mĆ£os a responsabilidade de fazer com que o aluno sinta-se acolhido na sua escola, em sua turma. Os professores de Educação FĆsica ainda trabalham com questƵes relacionadas ao convĆvio em grupo, respeito Ć s regras, resolução de atritos e desentendimentos durante jogos e atividades coletivas, limites dos outros e os seus, solidariedade, trabalho em grupo, desafios, disputas, etc.
Muitas vezes, os professores precisam tomar atitudes que sĆ£o de responsabilidade da famĆlia, uma educação de moral, de princĆpios, de valores, que deveriam ser responsabilidade da famĆlia, mas como muitas vezes ela se encontra ausente ou descomprometida com a educação, professores precisam fazer o papel de pai e mĆ£e na escola. āĆ Educação escolar tĆŖm sido atribuĆdas funƧƵes complementares na sociedade, que lhe retiram sua essencialidade e a transformam em instrumento de mĆŗltiplas funƧƵes, impedindo-a de compor sua tarefa centralā (RODRIGUES, 1992, p. 55). Quando a missĆ£o de construir valores nĆ£o Ć© exercida pela famĆlia, cabe Ć escola preencher este vazio nas crianƧas. āA famĆlia pode ser considerada um dos principais responsĆ”veis pela iniciação da crianƧa na prĆ”tica esportiva. PorĆ©m, ela pode servir tanto como elemento facilitador quanto complicador para a permanĆŖncia nessa prĆ”ticaā (MARQUES, KURODA, 2000, p.130). Existem pais que apoiam seus filhos, entendem suas limitaƧƵes e seu tempo de amadurecimento no esporte, mas tambĆ©m hĆ” pais que nĆ£o reconhecem o esporte como aprendizado, reclamam da performance de seu filho, xingam o juiz, questionam o professor ou treinador. Se os pais tomarem o exemplo dos pais compreensivos, Marques (2000) afirma que a famĆlia contribui para o desenvolvimento de motivaƧƵes, autoestima e construção de valores, e auxilia no processo de construção de identidade da crianƧa.
Outro grande problema Ć© a questĆ£o da competição envolvendo jogos escolares. Os professores precisam entender que os jogos sĆ£o uma forma de socializar os estudantes, que sĆ£o momentos de diversĆ£o e, principalmente, de aprendizado. Caso isso nĆ£o aconteƧa, corremos o risco de tornarmos estas competiƧƵes em legĆtimos campos de batalha, ambientes de exclusĆ£o, de supervalorização da vitória, do vexame de uma derrota por nĆ£o saber perder, da humilhação, assim por diante. Neste sentido, Marques (2003) comenta que os campeƵes sĆ£o os mais bajulados, jĆ” os derrotados, mesmo que tenham conseguido a segunda colocação, ficam somente com aquilo que sobrou de prestĆgio. Situação pior ainda sofre aquele que sequer foi relacionado para a equipe. Este se torna invisĆvel, motivo de brincadeira para a turma ou excluĆdo para outras atividades, pois somente os melhores, os mais habilidosos fazem parte das equipes. Relacionando as equipes profissionais com as equipes escolares, Santin (1993) comenta que as delegaƧƵes de equipes esportivas só sĆ£o reconhecidas quando voltam com medalhas. Devemos nos perguntar atĆ© quando a minha felicidade Ć© saudĆ”vel vendo o adversĆ”rio derrotado, humilhado ou desiludido por se achar perdedor. SerĆ” que nĆ£o conseguimos encontrar formas que todos saiam vitoriosos ou pelo menos ninguĆ©m saia com o sentimento de derrota? SerĆ” que precisamos ter sempre vencedores e perdedores ou podemos valorizar prioritariamente a integração e a participação de todos? Assim como uma vitória pode marcar a vida de um jovem para o resto de sua vida, uma derrota, um erro, uma eliminação pode ser causa de um trauma para o resto da vida deste jovem, bem como um afastamento para sempre do esporte.
